A Árvore da Vida está morta
Eu não sabia quem ela era, até algumas semanas atrás.
Fui investigar, e eis que descubro o seu nome: Acácia.
Acácia era uma jovem árvore que fora plantada ao lado da minha casa; mais especificamente bem ao lado do quintal, na calçada da rua.
Chegou pequena e foi crescendo ano após ano.
Já há algum tempo, Acácia se fazia presente, alta, com suas folhas aveludadas caindo em nosso quintal. Com alguns resmungos, minha mãe varria o chão, porém entendia e se conformava com a lei da natureza.
Folhas e mais folhas forravam o telhado e entupiam a calha. E quando começou a produzir suas grotescas vagens, os sustos em nós eram constantes ao caírem com peso em cima da telha, causando um barulho enorme. Meu medo era que caíssem nas minhas cachorras ou em nossas cabeças, já que poderiam causar alguns ferimentos.
Mas foi somente esse ano que Acácia nos proporcionou um show de beleza. Devido ao seu tamanho e maturidade, ela agora enchia-se de flores. Fora a primeira vez que chegava ao seu auge de florescimento abundante. Flores rosas se avolumavam em seus galhos no lugar das folhas que caíam, lembrando-me as cerejeiras do Japão.
No entanto, o que é belo também tem seu lado sombra. A floração causava em mim e minha cachorrinha uma gripe alérgica com tosses intensas. E quando caíam, cobriam o chão do quintal inteiro.
Para completar o cenário, tornou-se a casa de muitas cigarras, nos presenteando com sua sinfonia estridente e suas constantes "chuvas de xixi". Tivemos que nos adaptar aos "inconvenientes" moradores barulhentos e mal educados.
Mas apesar de todos os inconvenientes, Acácia era ela mesma em sua exuberância inata. Imponente, se fazia vista e admirada de longe por todos que passavam. Ela só estava sendo ela e cumprindo o seu papel de ser vivo. Eu a admirava por sua potencialidade única, ainda que nos causasse incômodos e nos tirasse da zona de conforto.
Ela era o símbolo da dualidade. As pequenas folhas aveludadas caíam em nosso quintal nos dando o trabalho de limpá-las... mas eram elas que ensinavam a mim e às minhas sobrinhas o dever de assear o ambiente, além de nos unir. As flores davam-nos tosse alérgica... mas eram elas que davam beleza e atraiam os pássaros e as lindas borboletas amarelas. Suas gigantescas e duras "vagens" caíam com estrondo nos causando susto... mas acabo descobrindo que elas eram potencialmente medicinais - uma espécie de xarope.
Dias atrás, sentada e conversando com meu amigo no quintal, Acácia talvez já estivesse nos comunicando algo... Como uma cena de filme, uma brisa de repente provoca uma belíssima chuva de flores. Sutilmente eu me emociono. Ao mesmo tempo que era belo, era também triste. Minha alma agradecia pelo momento.
Entretanto, hoje, ao ser acordada pelo som de uma serra elétrica, sou informada pela minha mãe da infeliz tragédia... Acácia, ontem, jovem, forte, linda e exuberante, já não estava mais presente. Foi então que entendi: a chuva de flores era uma despedida.
Já não havia mais sua sombra, o som das cigarras, suas folhas e flores caindo. Já não havia mais a vida "inconveniente" que eu aprendia a gostar.
Fiquei triste como quem perde alguém da família. O funcionário da prefeitura dizia que alguém havia pedido para retirá-la de lá. "Mas quem e por quê?!"
Qual teria sido o incômodo? Qual "crime" teria cometido por ter sido somente ela mesma, em seu auge de beleza e identidade?
Identidade é para poucos... e ela havia conquistado a sua...
Varri suas últimas folhas e flores em luto, como se estivesse fazendo uma homenagem num funeral.
Peguei as últimas vagens-frutos caídas no quintal e as guardei como parte dela. "Talvez sejam seus filhos" pensei.
Para o mundo e às pessoas em geral ela era só mais uma árvore... um mero objeto ornamental. Para mim ela era um ser vivo, cheio de alma, vida e potencial.
O simbolismo esotérico da Acácia é de pureza e inocência.
Talvez esse mundo não seja mesmo feito aos puros e inocentes...
Eles simplesmente são arrancados da existência ao serem notados em sua grandiosidade e beleza. Não sobrevivem ao egoísmo alheio.
O que importa é alguém ter lhe valorizado. Eu, os pássaros, as borboletas, as cigarras, as abelhas a valorizamos... por isso não foi em vão.
Obrigada pela sua breve companhia em meu lar, querida Acácia. Eu só tenho a agradecer pelo seu amor e ensinamento: o de viver o seu papel nesta vida.
(Primavera de 2019)
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