Por trás das vitrines
Caminho pelas ruas do mundo e o que vejo são suntuosas vitrines de pessoas... umas mais elaboradas que as outras.
Todas tentam chamar desesperadamente a atenção dos transeuntes. Não exatamente pela oferta de preços, mas pelas suas ostensivas aquisições, imagens, reputações, poses, caras e bocas.
Consumidores correm ávidos atrás do que lhes dão sensação de importância e status. E apesar de acharem estar comprando autenticidade e funcionalidade, o que estão levando são apenas medalhas, condecorações e troféus alheios - com uma foto do pódio de brinde.
Claro que muitas vezes se compra qualidades funcionais úteis para algum fim. O problema é achar que a utilidade é o próprio fim, e não um meio para algo a mais. Isso porque as pessoas na vitrines convencem a todos de que são a coisa mais importante do mundo. "Me venerem, me aplaudam, me idolatrem, pois com isso vocês serão indivíduos de valor!".
Quanto mais luxuosa for a vitrine, mais o interesse das pessoas. O slogan pisca insistentemente em placas de anúncios multicoloridos: "Eu sou isso, eu sou aquilo"... "Eu fiz isso, eu fiz aquilo"... "Eu tenho isso, eu tenho aquilo"... Eu sou, eu sou, eu sou... E tudo o que elas são, é uma espessa e pesada carcaça de egolatria.
Narcisistas só são ótimos empreendedores porque existem os consumidores a eles. Consumidores, esses, que por não serem narcisistas - e não conseguirem o que eles vaidosamente conseguem -, projetam seu vazio em superficialidades enaltecidas por um sistema propositadamente narcísico. Não se conhecem, e por não se conhecerem correm perdidos em direção ao anúncio com maior promessa de sucesso, conhecimento, autoestima, felicidade, etc. "Venham, venham! Adquira a receita mágica para ser indivíduo de sabedoria!"... "Faça os meus cursos que você será muito feliz!"... "Compre os meus livros para ser um sujeito inteligente!".
Vitrines em geral são compostas em sua maioria por corpos, nos quais seus próprios donos ou donas são os manequins. Porém, há as vitrines de estantes de livros, diplomas, doutorados, e lá dentro um balcão de informações "Google", onde se sabe tudo e mais um pouco.
Mas dentre as vitrines ostensivas, existem as raras e incríveis vitrines de lojas luxuosas que mostram sua simplicidade original. Sabe aquele dono ou dona de comércio que não se esquece de suas origens humildes, e que apesar de hoje ter um estabelecimento rico, cheios de produtos de ótima qualidade e de grande valor, conseguem se manter humanos e próximos?
Nessas vitrines, mostra-se o produto de suas conquistas, no entanto, sem alardes, troféus, condecorações, exibicionismos, pavonismos... Seria apenas a sua própria pessoa como resultado de um bom trabalho. Ou seja, muito mais pelo o que ela é como ser, do que como ela está como ego.
Funções são importantes no mundo em que vivemos, mas funções são extremamente disfuncionais quando o indivíduo por trás delas é completamente cego de si mesmo.
O que seria um instrumento de grande utilidade, acaba virando um desserviço à humanidade.
Infelizmente o que mais vemos são pessoas cegas guiando outras pessoas cegas. E o mais triste é ver que essas, que estão guiando, se acham as mais clarividentes de todas.
Então de que adianta comprarmos belos e inteligentes produtos, se o seu conteúdo está deformado (ou podre)?
Belos são aqueles que, em sua complexidade adquirida, não se perdem de sua essência. Possuem todas as características para ser facilmente um alguém arrogante, prepotente, cruel, venenoso, ardiloso... mas não se deixam contaminar pela lama. Florescem acima dela.
Pessoas de grande valor e reputação na sociedade, em sua maioria, viram verdadeiros monstros como seres. Perdem a humildade inata da alma, pois ela já não existe mais nelas. O intelecto, o conhecimento, a imagem, a respeitabilidade, o status... tudo isso vai matando o ser humano, dando lugar a um trator que passa por cima de todos. Máquina, essa, com mentalidade fria, calculista e, paradoxalmente, com instintos selvagens.
Essas máquinas, vez ou outra, tentam imitar a humildade, fazendo-se modestos. Alguns até caem no fingimento delas, mas o que é falso não permanece, mostrando-se novamente um poço de vaidades: "Venham e se afoguem em mim!"
Todos somos "vendedores", todos temos nossas "vitrines", mas um produto só pode ser de qualidade quando ele tem a marca da real humildade. Humildade que nada tem a ver com condicionamento religioso... e nem com autoestima baixa, desvalia, falsa modéstia, invisibilidade... mas, somente aquela que não prioriza a casca, e sim o conteúdo.
E quem é conteúdo não se define por aquisições. E mesmo que as valorize, sabe que o seu maior valor é o interno: o seu ser.
São a esses conteúdos simples e essenciais que dou importância, ainda que admire as aptidões... São os conteúdos verdadeiros que fazem os olhos de uma criança brilharem diante de uma vitrine.
Portanto, aquisições, materiais ou intelectuais, nós apenas as possuímos; não somos elas. Mas em geral, pessoas são possuídas por suas aquisições e se tornam ocas.
Vitrines nos colocam em evidência. Qual a propaganda que fazemos de nós mesmos? A propaganda enganosa ou a descrição fiel do produto?
Caminho pelas ruas do mundo, desvio das vitrines suntuosas e entro feliz numa loja "Sebo".
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