Ser das alturas
É... O ano de 2020 não quer perder tempo comigo.
Já desde o seu primeiro dia, ele quis me mostrar as feridas que ainda estavam abertas.
Infelizmente, algumas feridas abertas ficam ocultas dentro de nós, e quando menos esperamos, elas surgem infeccionadas por pensarmos que elas já estavam cicatrizadas.
A ferida em questão se chama "falta de reconhecimento" ou "descrédito".
Talvez já tenha escrito outras vezes sobre a minha vida de universos paralelos: em um universo eu sou vista, notada, admirada, valorizada e reconhecida como um ser de talento, lucidez e generosidade; em outro sou considerada um nada, uma fracassada, indolente, problemática, difícil, incompetente e burra.
São nesses dois mundos que transito, porém no que sou reconhecida, eu não tenho acesso concreto... e no que sou menosprezada, eu não me adapto aos seus habitantes.
Vivo uma vida esquizofrênica, sem ser esquizofrênica.
Sabe aquela historinha da águia que vive no galinheiro, sem saber que é uma águia? A diferença é que eu sei que sou águia, mas não estou conseguindo voar junto das outras.
E por estar presa e não conseguir voar ás alturas, raposas ardilosas, cobras peçonhentas e lagartos gigantes começam a me rondar para me caçar. Não conseguem me matar, mas estão o tempo todo me atacando com suas presas e venenos.
Já no mundo de menosprezo, não me atacam por me verem águia, mas por me enxergarem como patinho feio. Eu não pertenço à mentalidade familiar das pessoas, por isso mesmo nada do que eu fale, pense ou opine tem qualquer valor ou sentido. Eu não tenho direito em estar certa, pois não tenho moral social para isso.
Como venho repetindo, os valores das pessoas não se baseiam no caráter, no altruísmo, na consciência, no senso de justiça, na ética, na benevolência, na sabedoria. Mas, sim, no quão são produtivas em sociedade... dane-se o egoísmo delas!
Ser produtivo para a sociedade é ser funcional, ter status e dinheiro. Ser produtivo para a humanidade como um ser íntegro, de princípios, valores e honestidade, é o de menos e não importa.
Indivíduos têm o direito em dizer ou fazer o que bem entendem, quando possuem reputação, mas um sujeito que não possui essa reputação - simplesmente porque não investiu seu tempo nisso e sabe que é algo secundário e superficial -, será refutado, retaliado, diminuído, contrariado e ignorado em tudo o que disser ou fazer de modo legítimo.
Questões materiais são importantes para o nosso viver (óbvio). O problema é que a sociedade e a família irão exigir que você coloque a carroça (coisas materiais) na frente dos bois (propósito de vida). Vão exigir que você seja galinha, fazendo inibir todo seu potencial de águia.
É incoerente a cobrança, se tudo o que eu fiz desde cedo (aos 19 anos) foi ter independência financeira. Não dei tanto gasto e trabalho para a família como a maioria, mas exatamente por não ter dado trabalho e tanto gasto, hoje me encontro sem chão para poder dar o impulso ao meu voo.
No geral, as pessoas só respeitam as outras, se elas possuem conquistas mundanas, e não, as espirituais. Além do que, um alguém espiritual demais será uma pedra no sapato daqueles que viveram a maior parte da vida buscando subir ao pódio. Muitos sobem várias vezes, mas a pedrinha espiritual estará sempre incomodando e causando raiva.
Eu sou um alguém que não subiu pódios, e sim, íngremes montanhas. Eu não passei por campos floridos, mas por desertos áridos.
E por ter visto de perto a solidão e o Deserto do Real, vejo de perto a ilusão e a miragem das pessoas... fazendo, isso, que se sintam ofendidas ou ameaçadas por mim.
"Como assim? Ela não é ninguém, ela não tem nada, ela não faz nada... Então que direito ela tem de dizer alguma coisa?", todos inconscientemente (ou não) pensam. A ironia é que se aceitassem o que tenho a dizer, talvez eu fosse um alguém na vida.
Paradoxalmente eu não sou ninguém, sendo legitimamente eu mesma. E ainda que ache o ego de grande utilidade nesse plano, sei o lugar dele em sua função de ferramenta, apenas.
Em minha etapa espiritual, estou na fase em que saí da ilusão do ego mundano, fui para o oposto dele: o ego espiritualista, e agora estou me encontrando no caminho do meio da integração - e consequentemente sua transcendência. (Não, isso não se chama iluminação... isso se chama individuação).
Ser um indivíduo (único em sua unicidade) não nos dá status de guru espiritual, e muito menos de vencedor no Sistema. E por não ser uma coisa ou outra, nos faz pessoas sem credibilidade. Portanto, eis o desafio: ser um indivíduo "fantasma" e morador do umbral... Resumindo: somos invisíveis, assombramos os "carnais" e vivemos no limiar de duas dimensões.
Não tenho reconhecimento social, porém sou reconhecida como ser humano por poucos. Transito no mundo dos cegos, mas sou vista no mundo dos despertos. Vivo dentro do Show de Truman, mas num cenário onde ninguém sabe quem eu sou. (Só alguns que me assistem, sabem).
Menosprezada, hostilizada, torturada... seguida, admirada e aplaudida. Esse é o script do show.
Sim... O ano de 2020 não quer perder tempo comigo.
Ele quer me mostrar que a cicatrização da ferida só poderá ser feita ao assumir de vez meu papel de águia, independentemente do desprezo dos patos, das galinhas, dos marrecos... e da ameaça dos predadores astutos e venenosos.
Minha asa está sendo curada, mesmo após inúmeras quedas...
Me desculpem aos que me querem ao chão. Mas águias nasceram para voar... e enxergar além senso comum.
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